Verbo ser
maria da graça almeida
A vida que nascia escondida,  sob o  gerânio
e as  cravinas, 
não era  feito a que se via  no alto das
árvores ressequidas.
 O ser que no baixo se  avistava 
 desconheceria a inebriante vertigem da altura.
 Era uma nova vida que apesar da beleza do leito
natal, 
 cama reflorida, explodia em vitalidade rastejante, 
gosmenta e asquerosa. 
 O mesmo não se diria do outro vivente 
que entre palhas, capim e galhos secos
-tosca e rude ambientação -
mais  tarde experimentaria, nos céus,   
as delícias dos largos e audaciosos vôos. 
 Era a surpresa dos desabrochares; 
 era o conflito da beleza plena com a
repugnância total;
um embate de quem olhava apenas o ali, o agora,
com  quem  vislumbraria o adiante, o depois.
 Era o soluço de quem nada seria, 
respondendo ao sorriso de quem tudo teria.
 E nesse fim de
tarde atoleimado, 
 quando o nada a fazer dispôs-me às observações inúteis,
  minhas divagações levaram-me a perceber 
que a tempestade e a bonança de uns e outros
já  foram retratadas por pares e pares 
de olhos curiosos e, sobretudo, desavisados,
   não cientes de que as fotografias não são
eternas,  
 mas, enquanto forem visíveis, serão imutáveis.
O que é independe da nossa força, vontade e fé. 
O que é será sempre como sempre foi.
 O que é sempre será.
 
 
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