21 de dezembro de 2011

Quiçá

Quiçá
maria da graça almeida
 

Quiçá falássemos da Rosa,
que pela efemeridade das pétalas
tem frágil a aparência e breve a elegância;
quiçá da Chuva de Verão,
que pelo período de precipitação
traz a água tímida, curta, mas benfazeja;
quem sabe disséssemos do Cego,
que, perscrutando a escuridão perpétua,
constrói trilhas e corredores negros,
onde caminha, solitário e indefeso;
talvez pensássemos nos ventos,
que varrem o planeta em corrente perene, sem entenderem da poeira que  ofusca os olhos da gente, sem perceberem os grãos da germinação.
Mas, não. Silêncio! Mudez de vozes e pensamento.
Não diremos nem destes, nem daqueles, tampouco dos mais reservados sentimentos.
Nuvens acinzentadas empanam os céus
e um engasgo profundo não nos permite usufruir a fluidez do ar.
Nada dança à nossa volta.
Notas ressoam, não feito música.
São apenas flébeis gemidos.
 
A poesia entristeceu. Na agonia da esperança, um poeta morreu. Um Poeta morreu...
Em seu féretro pobre, calado, caminha o Verso, seguido pela indecisão da Letra, pela mudez da Sílaba, pela surdez da Rima.
Lágrimas, apenas as da Inspiração,
quando no sumiço do viço
umedece a palidez da Musa,
que desacerta a direção,
que esquece o compromisso...

14 de dezembro de 2011

Tempo de dores

Tempo de dores

maria da graça almeida

Longe vai o tempo
do tempo das flores,
quando só os amores
traziam dores ao peito;
quando os espasmos do ventre
eram a fertilidade das damas;
as pontadas na cabeça,
resultado do pouco dormir;
as fisgadas nas costas,
inusitadas posições na cama.

Hoje pouco dizemos de flores,
bem mais nos queixamos de dores
que já não são bobagens;
são dores que nos levarão
a estranhas paragens.
Agora é o tempo
das feridas de verdade,
sob o espectro saudoso
da longínqua mocidade.

Saudade do tempo de ontem...
quando desfrutávamos
de nova embalagem;
quando dos supostos males,
às largas, inda ríamos;
quando éramos felizes...
e certamente o sabíamos.

11 de dezembro de 2011

"Mezzo" monorrrimo

"Mezzo" monorrrimo
maria da graça almeida


Vem da rua, vem do mato,
vem ligeiro, sem recato,
vem da vida, vem da vila,
vem da lida, vem sem laço,
varredura que bandida
põe em falso o meu passo.
Não tem eira, não tem beira,
não tem óculos, nem viseira,
volve o chão e traz poeira,
põe meu corpo em tremedeira,
aos meus olhos traz coceira,
aos ouvidos zumbe asneiras.

Vem segunda ou terça-feira,
vem depressa às carreiras,
fecha forte o portão,
bate firme a porteira,

vem sem braço e sem mão,
nem dá mostra de canseira.
Gira a saia da mocinha,
meu cabelo desalinha,
rodopia, sobe e desce,
invisível se encaminha
nem em sombra aparece.
Tanto vento é um tormento,
mesmo quando chega lento.
o tal vento nem aguento,
vem de fora, vai pra dentro.
Mesmo quando chega lento,
atrapalha bons momentos,
desafia o meu intento
de cedinho ir pra rua,
de olhar de frente a lua
de quedar-me em casa nua...