12 de janeiro de 2011

O vento

O vento
maria da graça almeida

O vento chega-me à porta,
rodopia, vai e volta.
Entra sem ser convidado,
vem sozinho, sem escolta.
Desalinha-me os cabelos,
embaralha meus papéis,
sopra sobre os travesseiros
leva ao chão os meus anéis
Incomoda meu descanso,
assobia sem balanço.
E eu lhe peço nessa hora:
- Não quer ir ventar lá fora?
E o vento assanhado
diz sorrindo, bem a gosto:
- Pra sair sou obrigado
a ventar sobre seu rosto.

maria da graça almeida

Cenário bucólico

Cenário bucólico
maria da graça almeida

Doce de leite, abóbora e coco,
beijo roubado da boca do moço,
rede estirada ao sol de relance,
livro da vida esquecido na estante.

Vento ventando cantigas de amor,
crista do galo empanada na cor,
lenha a estalar no tosco fogão,
cheiro gostoso de sopa e feijão.

Bicho que pica, coceira que vem,
tarde chegando no apito do trem...
Sapo coaxa sem graça, arredio,
garça se mira nas águas do rio.

Égua que trota levanta a poeira,
homem, voltando, traz pó na canseira.
Dona a acenar na porta da casa,
ave se assusta e apressa as asas.

Filho que chora, chupeta no chão,
pão ressequido na palma da mão.
Riscos no céu, a paisagem se turva,
luz que se apaga é indício de chuva.

Cruz na janela, uma vela acesa,
prato trincado faz mais pobre a mesa.
A sopa e o feijão da pouca tigela,
não chegam à gata, não há para ela!

Sono batendo, um sopro à chama,
corpo cansado impõe peso à cama.
Sonho do homem inda é colorido,
mesmo com fome, outro filho é bem-vindo.

Maria da Graça Almeida
Da antologia da Confraria dos Poetas
Poesia com manteiga
maria da graça almeida

Prometeu-me ambrosias,
Literata, a cozinheira,
pelo gosto da estréia,
cheguei presta e faceira.

Só vi versos com geléia
e poesia com manteiga,
certas rimas lambuzadas,
emborcadas sobre a teiga.
Pus-me tonta e enjoada
da poesia e da manteiga.

No almoço, em contraponto,
terei letras de grandeza.
Um gostoso miniconto
será minha sobremesa.
Torço pra que Literata
desta vez não erre a mão
ou provarei pela errata
o sabor da indigestão.