6 de julho de 2008


Em algum lugar
maria da graça almeida


Neste exato momento

há alguém partindo, alguém chegando;

há alguém sorrindo, alguém chorando.

Na complexidade do universo,

nenhum minuto é de dor absoluta,

nenhum segundo é de plena alegria,

tampouco de completa apatia.


Neste exato momento,

há um bebê que experimenta

um choro temeroso, profundo, ansioso.

Neste momento, de mim muito próximo,

pela origem, pelo afeto,

há alguém lutando pela vida,

ou dela desistindo, a cerrar os olhos

no desvendar dos mistérios e segredos,

no gozo da surpresa e do medo.


Neste momento há seres entregues,

amando-se loucamente

e seres odiando-se cegamente,

sem a preocupação com o amanhã,

na benevolência da afirmação,

ou no egoísmo da negação.


Neste momento há alguém traído;

há alguém abençoado, alguém excomungado;

há alguém sob a mira de um "tira",

ou ameaçado pelo ofício de um bandido.


Neste momento, há mais um aposentado sofrendo

as conseqüências do tempo trabalhado.

Neste momento há alguém derrotado,

em batalhas onde apenas há vencidos.


Neste momento, em algum lugar do planeta,

há alguém escrevendo coisas que encherão gavetas;

há quem no papel derrame letras

que tomarão o tempo dos desavisados,

cujo pensamento se ocupará da leitura

das mais estranhas figuras.


Neste exato momento, num profundo mal-estar,

cá estou eu a sombrear a tela,

querendo de algum modo me perpetuar,

que se não através das nuanças

dos versos de completa insignificância,

talvez, através do enlevo e da emoção,

que são de irrestrita relevância.


Do mundo, em todos os momentos e lugares,

sei que haverá, irremediável,

a dor do temor, da impotência,

da perda, da saudade, da desolação.

E neste mundo, mesmo convivendo

com os encantamentos e espetáculos,

os espectros dos citados maus tratos,

infelizmente, sempre nos ameaçarão.


Neste exato momento, em algum lugar há...

1 de julho de 2008


Saída
maria da graça almeida

Sairei da tua vida
sem as dores da paixão.
Secarei minhas feridas
no unguento da razão.

Mente sóbria e face ao vento
não computam prejuízos.
Boca oca de lamentos,
olhos cheios de sorrisos.

Passos largos, seta longa,
linha certa, ou contramão.
Sigo em frente e sem delongas
reafirmo a intenção.

Ora deixo a tua vida,
sem temores, sem afã.
Largo a chave na saída;
levo o ontem e o amanhã.