1 de outubro de 2007


Maturidade
maria da graça almeida


É o tempo quando da procura já se possui o achado.

Quando dos sonhos já se tem a direção

e das ilusões, a condução.

É o tempo pleno do saber, do sentir, do conhecer,

quando somos, nós mesmos, a resposta

para quase todas as perguntas.



É a melhor parte do caminho, lugar privilegiado,

de onde ainda se avistam os arroubos da adolescência,

e, com a mesma nitidez,

vislumbra-se a calmaria da grande idade.

É quando da balança já se sabe dos pesos

e das medidas, porque na convivência

da esperança com a saudade,

tem-se tanto para esperar,

quanto se tem para lembrar.

É quando já se pode escolher

com conhecimento de causa

e com a segurança do entendimento,

pois que em cada passo a ser pisado

e em cada trilha a ser percorrida,

estarão as certezas da certeza e a certeza da dúvida.

Posto que das certezas, não mais se duvida

e das dúvidas tem-se a exata certeza.


Que belo tempo, sublime idade! Madura idade! Maturidade!

É a primavera do verão, o outono da primavera,

é a multiplicação da emoção pela soma da espera.


maria da graça almeida





Limites
maria da graça almeida

Minhas janelas cerram -se quando
a emoção ousa falar mais alto do que a razão.
Tenho nítida a consciência dos limites,
sei onde se alojam meus pontos vulneráveis.
Não alimento os propósitos de um campeão
que batalha pela própria superação.

Meus passos são silenciosos,
minhas mãos, tímidas, frágeis...
Meus sonhos, desavisados, sempre
adormecem antes da concretização.
A excessiva cautela que me habita
retrai e distrai a força da intenção.

Das próprias fronteiras, conservo a percepção.
Meus marcos não demarcam, isolam.
Da impossibilidade, detenho a noção.
Meus limites não distinguem, segregam.
São chagas vivas...balizas da solidão.

Há alguma coisa
maria da graça almeida

Há alguma coisa no ar,
que não me deixa respirar;
alguma coisa na garganta,
que me impede de orar.

É algo além da lembrança,
além do poder, além da vontade.
É feito a liberdade
doada a quem não a solicitou.

O tempo que vaga a esmo,
ocultando-se da vida,
escondido dele mesmo.

O querer em tom menor,
que faz os desejos estreitos
e a impotência maior.

O desencanto de apenas ser
uma dúvida do próprio saber.

São os desmandos do ego,
em detrimento das possibilidades.

É a ida, sem a volta das horas,
esquecida na menoridade.

A honestidade do espelho
a duvidar da tonalidade
dos fios de certos cabelos.

A verdade que aponta
para a escada de dupla mão,
cujos degraus,
somente, conduzem
ao único desvão.

É, na realidade,
a ausência de mim
que me faz pressentir,
prepotente e tão presente,
a irreversibilidade
do fim.

Gene
Maria da Graça Almeida

Eis que te olho
e de pronto pressinto
minha cara escancarada
em tua face jovial;
meu jeito indolente
esboçado em teus
trejeitos insolentes;
meu sorriso comedido
rascunhado em teu
riso desmedido.

Eis que me olho
e radiante descubro
tua infante figura
lindamente embutida
em minha antiga
caricatura.

A nova vela
solta ao vento,
do velho barco
em movimento,
é um perene
e farto aceno.

Maria da Graça Almeida

Futuro antecipado


Futuro antecipado
maria da graça almeida


Solitária, no tempo antecipei o futuro.
Adiantei-me e, com pressa e coragem,
experimentei-me trinta anos mais velha .

Pressenti meu olhar desbotado
a olhar por uma janela vazia.
Era a janela da minha alma
que a duras penas sobrevivia.
Abateu-me profunda a nostalgia
e um "banzo” diferente,
como se fosse eu a própria pátria
e de mim estivesse distante.

Senti falta do espelho ovalado
onde os sonhos eram cuidados
pelos olhos, cujo rímel
alongava os cílios da juventude
e pela boca, cujo batom
distribuía a bênção da inexperiência.

Senti uma saudade antecipada,
que me pôs desconcertada,
quando por um instante
fechei a porta do presente
e coloquei-me com os dois pés
numa estrada sem retorno
a lamentar a ausência de um passado
de trilhas e atalhos iluminados.

Senti do amanhã
os tremores das mãos envelhecidas.
Ouvi a voz do tempo pelo balbucio
dos lábios ressequidos e descorados.

Não sei se o mais contundente
foi o sabor da velhice vinda
ou se a certeza da juventude finda.

Antevi meus filhos, já avós;
meus netos, então pais.
Antevi-me bisavó, tataravó...
E eu estava ali,
com a face que não era minha,
num corpo estranho
que eu desconhecia,
corpo que se estreitara
e que pelo enrijecimento
não mais me servia.

Sem permissão,
um idoso por inteiro me habitava
e eu estranhei-lhe os hábitos,
os passos trôpegos e a pouca visão.
A grande idade penetrou-me com crueza
e mostrou-me o peso da limitação.

Aí, abruptamente, subtraí-me do futuro.
Trinta a mais são anos demais...
Talvez, mais três décadas destruíssem
a memória dos dias significativos
e a lembrança dos melhores sentimentos
que empalidecidos ficariam pra trás.

maria da graça almeida

Fique


Fique
maria da graça almeida

A você- que, com pele ardente e olhos brilhantes,
ensinou-me a doce urgência de encantar;
com braços miúdos provou-me que para crescer,
o amor não precisa de espaço;
com tenra idade e graça incomum,
doou-me a musicalidade da mais ingênua gargalhada;
que me fez experimentar o gosto
do exercício do amor incondicional
- eu só peço: fique!
Não se ausente.
Juro que meus olhos lhe abrirão
os mais firmes e coloridos caminhos.
Minha vivência tratará de seu aprendizado,
enquanto um diamante a ser, com zelo
e delicadeza, lapidado.
Minha dedicação lhe oferecerá a certeza
de que nunca estará sozinho.
Fique! Em meu peito lhe construirei um pódio
onde diariamente comemorará a conquista
do primeiro lugar no campeonato da felicidade
e receberá o troféu do afeto permanente.
Não bata as asas. Não se iluda com a altitude.
Muitas vezes, é o pé no chão que nos mostra
a verdadeira direção da liberdade. Fique!
Desça da idéia de voar.
O passeio pelo ar não deixa pegadas, nem pistas.
Os percursos que não permitem rastros
tornam a jornada improfícua.
Não se apresse em me deixar.
Venha! Dê-me suas mãos.
Seu pequeno ser instalou-se
no maior lugar do meu coração.
Fique!