20 de agosto de 2008


No Chile há muitos poetas. Não conseguia, eu, compreender o motivo de tal concentração, até quando, num hotel de Santiago, onde a janela abria-se despudoradamente para a magnitude das Cordilheiras, entendi! Envolvida por certa magia e estranha fantasia, consegui descobrir no perene espetáculo a abundância da fonte de onde flui a inspiração do chileno. Aí não tive saída, vigiando minha respiração, que já pressentia ofegante, larguei-me a escrever, olhando pela janela como se mirasse um quadro revelador das fronteiras do alumbramento e do limiar da alucinação.
Maria da Graça Almeida

Cordilheira
Maria da Graça Almeida

"Pós sinto" as pegadas dos deuses latinos,
pousando os pés divinos
sobre terras elevadas,
virgens meninas despenteadas.
Se uns o fizeram sutilmente,
outros calcaram de forma tal o chão,
que o viram, entre um passo e outro,
subir em altos picos, em duros bicos.

Meus olhos vagam pelo espaço alongado, recortado, sinuoso...
Galgam íngremes montanhas e, vertiginosamente,
despencam em quedas livres e fatais.
Depois, dão-se a escorregar e deslizar em pisos lisos,ou a rastejar,
arranhando-se na aspereza da textura visual.

Quando, dos anjos meninos, o sopro cálido
derreter o frio espesso e alvo que se moverá,
graciosamente, sobre a austeridade do marrom,
meu ser todo frágil, tolo e perplexo,
suspirará ante o imensurável espetáculo
do perpétuo bolo achocolatado,
coberto por um branco e absurdo glacê,
que lindamente escorrerá desenhos
abstratos e fantásticos, jamais
consumidos por simples mortais.

Às vezes os Deuses sabem ser cruéis!
Muitos deles zombam da impotência dos homens.
Outros lhes testam o tamanho do conformismo.
Nem tudo o que fartamente lhes expõem aos olhos,
facilmente lhes dispõem às mãos.