10 de dezembro de 2007


Nada
Maria da graça almeida

Perguntas azuis, respostas transparentes;
indagações sonoras, retorno mudo,
nem ao mesmo mero contato para a negação.
Nove, dez anos de espera...de ansiedade, de gelo na fervura,
da quebra do aparelho de som.
Silêncio absoluto.

Bobagem! O que é isso diante de, ainda,
um dia inteiro para viver?

1 de outubro de 2007


Maturidade
maria da graça almeida


É o tempo quando da procura já se possui o achado.

Quando dos sonhos já se tem a direção

e das ilusões, a condução.

É o tempo pleno do saber, do sentir, do conhecer,

quando somos, nós mesmos, a resposta

para quase todas as perguntas.



É a melhor parte do caminho, lugar privilegiado,

de onde ainda se avistam os arroubos da adolescência,

e, com a mesma nitidez,

vislumbra-se a calmaria da grande idade.

É quando da balança já se sabe dos pesos

e das medidas, porque na convivência

da esperança com a saudade,

tem-se tanto para esperar,

quanto se tem para lembrar.

É quando já se pode escolher

com conhecimento de causa

e com a segurança do entendimento,

pois que em cada passo a ser pisado

e em cada trilha a ser percorrida,

estarão as certezas da certeza e a certeza da dúvida.

Posto que das certezas, não mais se duvida

e das dúvidas tem-se a exata certeza.


Que belo tempo, sublime idade! Madura idade! Maturidade!

É a primavera do verão, o outono da primavera,

é a multiplicação da emoção pela soma da espera.


maria da graça almeida





Limites
maria da graça almeida

Minhas janelas cerram -se quando
a emoção ousa falar mais alto do que a razão.
Tenho nítida a consciência dos limites,
sei onde se alojam meus pontos vulneráveis.
Não alimento os propósitos de um campeão
que batalha pela própria superação.

Meus passos são silenciosos,
minhas mãos, tímidas, frágeis...
Meus sonhos, desavisados, sempre
adormecem antes da concretização.
A excessiva cautela que me habita
retrai e distrai a força da intenção.

Das próprias fronteiras, conservo a percepção.
Meus marcos não demarcam, isolam.
Da impossibilidade, detenho a noção.
Meus limites não distinguem, segregam.
São chagas vivas...balizas da solidão.

Há alguma coisa
maria da graça almeida

Há alguma coisa no ar,
que não me deixa respirar;
alguma coisa na garganta,
que me impede de orar.

É algo além da lembrança,
além do poder, além da vontade.
É feito a liberdade
doada a quem não a solicitou.

O tempo que vaga a esmo,
ocultando-se da vida,
escondido dele mesmo.

O querer em tom menor,
que faz os desejos estreitos
e a impotência maior.

O desencanto de apenas ser
uma dúvida do próprio saber.

São os desmandos do ego,
em detrimento das possibilidades.

É a ida, sem a volta das horas,
esquecida na menoridade.

A honestidade do espelho
a duvidar da tonalidade
dos fios de certos cabelos.

A verdade que aponta
para a escada de dupla mão,
cujos degraus,
somente, conduzem
ao único desvão.

É, na realidade,
a ausência de mim
que me faz pressentir,
prepotente e tão presente,
a irreversibilidade
do fim.

Gene
Maria da Graça Almeida

Eis que te olho
e de pronto pressinto
minha cara escancarada
em tua face jovial;
meu jeito indolente
esboçado em teus
trejeitos insolentes;
meu sorriso comedido
rascunhado em teu
riso desmedido.

Eis que me olho
e radiante descubro
tua infante figura
lindamente embutida
em minha antiga
caricatura.

A nova vela
solta ao vento,
do velho barco
em movimento,
é um perene
e farto aceno.

Maria da Graça Almeida

Futuro antecipado


Futuro antecipado
maria da graça almeida


Solitária, no tempo antecipei o futuro.
Adiantei-me e, com pressa e coragem,
experimentei-me trinta anos mais velha .

Pressenti meu olhar desbotado
a olhar por uma janela vazia.
Era a janela da minha alma
que a duras penas sobrevivia.
Abateu-me profunda a nostalgia
e um "banzo” diferente,
como se fosse eu a própria pátria
e de mim estivesse distante.

Senti falta do espelho ovalado
onde os sonhos eram cuidados
pelos olhos, cujo rímel
alongava os cílios da juventude
e pela boca, cujo batom
distribuía a bênção da inexperiência.

Senti uma saudade antecipada,
que me pôs desconcertada,
quando por um instante
fechei a porta do presente
e coloquei-me com os dois pés
numa estrada sem retorno
a lamentar a ausência de um passado
de trilhas e atalhos iluminados.

Senti do amanhã
os tremores das mãos envelhecidas.
Ouvi a voz do tempo pelo balbucio
dos lábios ressequidos e descorados.

Não sei se o mais contundente
foi o sabor da velhice vinda
ou se a certeza da juventude finda.

Antevi meus filhos, já avós;
meus netos, então pais.
Antevi-me bisavó, tataravó...
E eu estava ali,
com a face que não era minha,
num corpo estranho
que eu desconhecia,
corpo que se estreitara
e que pelo enrijecimento
não mais me servia.

Sem permissão,
um idoso por inteiro me habitava
e eu estranhei-lhe os hábitos,
os passos trôpegos e a pouca visão.
A grande idade penetrou-me com crueza
e mostrou-me o peso da limitação.

Aí, abruptamente, subtraí-me do futuro.
Trinta a mais são anos demais...
Talvez, mais três décadas destruíssem
a memória dos dias significativos
e a lembrança dos melhores sentimentos
que empalidecidos ficariam pra trás.

maria da graça almeida

Fique


Fique
maria da graça almeida

A você- que, com pele ardente e olhos brilhantes,
ensinou-me a doce urgência de encantar;
com braços miúdos provou-me que para crescer,
o amor não precisa de espaço;
com tenra idade e graça incomum,
doou-me a musicalidade da mais ingênua gargalhada;
que me fez experimentar o gosto
do exercício do amor incondicional
- eu só peço: fique!
Não se ausente.
Juro que meus olhos lhe abrirão
os mais firmes e coloridos caminhos.
Minha vivência tratará de seu aprendizado,
enquanto um diamante a ser, com zelo
e delicadeza, lapidado.
Minha dedicação lhe oferecerá a certeza
de que nunca estará sozinho.
Fique! Em meu peito lhe construirei um pódio
onde diariamente comemorará a conquista
do primeiro lugar no campeonato da felicidade
e receberá o troféu do afeto permanente.
Não bata as asas. Não se iluda com a altitude.
Muitas vezes, é o pé no chão que nos mostra
a verdadeira direção da liberdade. Fique!
Desça da idéia de voar.
O passeio pelo ar não deixa pegadas, nem pistas.
Os percursos que não permitem rastros
tornam a jornada improfícua.
Não se apresse em me deixar.
Venha! Dê-me suas mãos.
Seu pequeno ser instalou-se
no maior lugar do meu coração.
Fique!

30 de setembro de 2007

Amar
maria da graça almeida

Amar é o arrepio que se sente no verão;
é levitar sem tirar os pés do chão;
é tentar dormir para outra vez sonhar
um sonho do qual não se quer mais despertar.

Amar é carregar um fardo de emoção,
é gelar as mãos no afã da pulsação;
é crer anil um céu dormente e desbotado
e ter o dia feito domingo ou feriado.

É o reflorescer seja em qualquer idade
e entre a razão e o coração pressentir
que a paixão não tem prazo de validade.

É manter no amado o primeiro namorado
e encantar-se com seu jeito de sorrir,
mesmo que com este já esteja acostumado.

Cabides humanos
maria da graça almeida


A ditadura da moda
-com o troféu da abstinência,
no pódio da desnutrição-
cerceou a naturalidade
das meninas que nas praças
comiam pipoca, tomavam sorvete.
Montanhas de ossos
cruzam as passarelas.
Ao invés do glamour,
tão-só a anorexia,
que amordaça a liberdade
de viver sob os moldes próprios
da melhor idade.
Os olhos fixos no nada
amparam-se na maquilagem
que lhes camufla as olheiras.
Sobre pernas descarnadas,
num cruel exercício,
a juventude macilenta
e esquelética bamboleia.

25 de setembro de 2007

Sei que estará lá
de maria da graça almeida
Em algum recanto do futuro, sei que você estará.
Com o mesmo sorriso, o mesmo olhar,
o mesmo perfume...as mesmas convicções.
Ainda que numa edição antiga,
feito uma caricatura da figura,
que um dia já foi, ainda assim, bem sei que lá estará,
cheia de energia, com a aparência que nos permite a grande idade,
a esbanjar otimismo, a exalar certezas.
Fios que lhe prateiam as têmporas, sulcos que lhe quadriculam a tez.
Nas mãos, tremores em compasso ternário,
no ensaio da mais linda valsa imaginária...
A emoção criança; a esperança menina;
os desejos adolescentes, porque sentimentos não envelhecem;
porque os anseios não desbotam;
porque o amor não tem prazo de validade;
porque todo dia é um recomeço;
porque nunca é tarde para experimentar;
PORQUE QUANDO OUSAMOS,
É QUANDO PRATICAMOS OS SONHOS.

12 de setembro de 2007

Oração do poeta

maria da graça almeida


Senhor,
ajude-me a ser cuidadoso com as letras que deponho no papel.
Jamais me deixe vacilar diante da verdade.
Não me autorize a expor meus sentimentos sob as garras da intolerância,
sob os olhos da incerteza, sob os riscos da dúvida.
Não me permita falar ou calar apenas em defesa do próprio benefício.
Que minha pena tanto sirva para glorificar as virtudes,
quanto para denunciar o desrespeito e a omissão.
Que por meio de minhas mãos a poesia espalhe-se balsâmica,
levando esperança aos desesperados, encanto, aos desencantados.
Que minhas sílabas amenizem a ansiedade dos aflitos
e preencham o vazio dos depressivos.
Que meus versos inibam as mãos portadoras de objetos contundentes
e armem a voz dos oprimidos com a coragem da opinião equilibrada.
Que meus poemas tenham eco e repitam os refrãos da crença no ser humano
e os da obediência aos princípios da convivência pacífica.
Que minhas letras jamais espalhem desalento, temor, descrédito.
Que meu verbo seja destemido, porém responsável, atento e apaziguador.
Que eu nunca me valha da facilidade da escrita
para angariar aliados às causas indignas.
Que eu observe as letras do outro, buscando sempre encontrar acertos
e não depositando em seus erros um atestado da minha sabedoria.
Senhor, se por um momento eu confundir a medida da seriedade,
ou, perder a noção da civilidade, faça com que minhas letras adormeçam
até que me acorde a consciência e desperte-me a observância
para com a integridade física e mental do meu próximo.
Ponho-me às suas mãos, Senhor, com a promessa
de tentar fazer com retidão a parte que me coube,
a partir do momento em que achou por bem
fazer de mim um poeta.
Que assim seja, em letras, palavras, orações,
agora e sempre.


maria da graça almeida
FORA_
Maria da Graça Almeida
Sai, agora,
da minha casa,
da minha vida,
dos entremeios
da minha lida.
Afasta-te de mim!
Do meu corpo
arranco os desejos
e dos lábios desprendo
teu último beijo.
Maculo de carmim
a cumplicidade
vulgar do acolchoado
de cetim.
Sólida,
minha lágrima
não desliza, nem mesmo
aos solavancos
dos soluços secos
de um peito
em desencanto.
Feito os farrapos
da solidão,
faço em pedaços
a toalha onde
secaste as mãos.
Sem direção,
teus sapatos voam
pelos desvãos
da minha indignação.
A ira que me envolve
faz-me errar o alvo.
Ainda que me fira,
perco a mão, a mira,
a posse, a pose, a estima.
Prendo a lua
dentro do quarto.
Que apenas
a escuridão da rua
vele teu retrato
que jaz colado
na negritude
do asfalto
Fora!
Exata medida
maria da graça almeida
A taça trincou.
Descaso de ambos.
Não nos preocupamos com a dosagem.
Descuidamos da quantidade,
ora nos entregamos ao excesso,
ora nos demos à escassez.
A taça partiu-se. O amor, liquefeito,
manchou o relevo das almas,
maculou a trama da união.
Agora, quase como diz o ditado,
não adianta lamentar o líquido derramado.
Amor, distraído, põe-se fora;
em demasia vaza, entorna;
ao relento, evapora.
O amor para toda a vida
é o amor da entrega e da partilha,
sempre na exata medida.

Decreto de liberdade e amor
maria da graça almeida
A livrá-lo do constrangimento, pesar e da imposição, meu amor, por ser imenso, vem deixá-lo à vontade para que encaminhe seus passos, de acordo com a própria opção.
Em face do seu silêncio e da minha solidão, meu amor, por ser imenso, aceita as sobras advindas de um envolvimento que talvez sobreviva por força da minha intenção.
Meu amor, por ser imenso, poderá manter-se recluso para que não julgue intruso o tom de minhas notas digitais
e ora o deixa liberto para que se indigne diante deste tolo decreto que de vez expõe a pieguice dos meus ais.
Meu amor, por ser imenso, entende o quão difícil é desempenhar certos papéis, por isto não finja pressentir cheia quando baixa estiver sua maré.
Meu amor, por ser imenso, mudo de lamentos,
vibrará com a autenticidade de sua fé.
Ainda que para seu conforto, não mais proclame
este amor imenso, sólido, insólito, intenso,
a chama viva que me habita jamais se extinguirá.
Ah! este meu amor sem bom senso, desmedido,
indefenso... eternamente me acompanhará.

Jeito de sentir
maria da graça almeida
A poesia está no ar,
no mar, em qualquer lugar.
É etérea, abstrata,
não se apanha, não se apalpa.
O poema é concreto,
sai do peito, desce às mãos,
transformando-se em objeto
de valor, de estimação.
A poesia é permanente,
o poema, um repente...
O poema a gente escreve,
a poesia a gente sente.
A poesia é feito espírito,
o poema mero corpo,
a poesia é um ser vivo,
o poema papel morto.
A poesia é doce, calma,
o poema uma criança.
A poesia está na alma,
o poema na lembrança.

11 de setembro de 2007

Essência


Essência
maria da graça almeida
Ainda que eu me transformasse
em dezenas de palavras;
desdobrasse-me em centenas de letras;
multiplicasse-me em milhares de versos,
ainda assim, nunca, com lealdade,
reproduziria minha essência,
pois esta que arraigada me habita
-não por mérito ou, demérito-
jamais poderia ser descrita.
O sentir verdadeiro, -seja o meu, seja o seu-
aquele que revela o eu com as nuanças
das mais íntimas e pessoais posturas,
não é passível de escrita,
pois que de sentimentos mais profundos,
por serem intensos e insondáveis,
não se escreve...apenas se sente.
Assim, cada humano, em seu invólucro perecível,
é o esboço carnal do poema ambulante,
que caminha sobre a alma
da poesia imaterial, etérea...
e intraduzível.