12 de setembro de 2007

Oração do poeta

maria da graça almeida


Senhor,
ajude-me a ser cuidadoso com as letras que deponho no papel.
Jamais me deixe vacilar diante da verdade.
Não me autorize a expor meus sentimentos sob as garras da intolerância,
sob os olhos da incerteza, sob os riscos da dúvida.
Não me permita falar ou calar apenas em defesa do próprio benefício.
Que minha pena tanto sirva para glorificar as virtudes,
quanto para denunciar o desrespeito e a omissão.
Que por meio de minhas mãos a poesia espalhe-se balsâmica,
levando esperança aos desesperados, encanto, aos desencantados.
Que minhas sílabas amenizem a ansiedade dos aflitos
e preencham o vazio dos depressivos.
Que meus versos inibam as mãos portadoras de objetos contundentes
e armem a voz dos oprimidos com a coragem da opinião equilibrada.
Que meus poemas tenham eco e repitam os refrãos da crença no ser humano
e os da obediência aos princípios da convivência pacífica.
Que minhas letras jamais espalhem desalento, temor, descrédito.
Que meu verbo seja destemido, porém responsável, atento e apaziguador.
Que eu nunca me valha da facilidade da escrita
para angariar aliados às causas indignas.
Que eu observe as letras do outro, buscando sempre encontrar acertos
e não depositando em seus erros um atestado da minha sabedoria.
Senhor, se por um momento eu confundir a medida da seriedade,
ou, perder a noção da civilidade, faça com que minhas letras adormeçam
até que me acorde a consciência e desperte-me a observância
para com a integridade física e mental do meu próximo.
Ponho-me às suas mãos, Senhor, com a promessa
de tentar fazer com retidão a parte que me coube,
a partir do momento em que achou por bem
fazer de mim um poeta.
Que assim seja, em letras, palavras, orações,
agora e sempre.


maria da graça almeida
FORA_
Maria da Graça Almeida
Sai, agora,
da minha casa,
da minha vida,
dos entremeios
da minha lida.
Afasta-te de mim!
Do meu corpo
arranco os desejos
e dos lábios desprendo
teu último beijo.
Maculo de carmim
a cumplicidade
vulgar do acolchoado
de cetim.
Sólida,
minha lágrima
não desliza, nem mesmo
aos solavancos
dos soluços secos
de um peito
em desencanto.
Feito os farrapos
da solidão,
faço em pedaços
a toalha onde
secaste as mãos.
Sem direção,
teus sapatos voam
pelos desvãos
da minha indignação.
A ira que me envolve
faz-me errar o alvo.
Ainda que me fira,
perco a mão, a mira,
a posse, a pose, a estima.
Prendo a lua
dentro do quarto.
Que apenas
a escuridão da rua
vele teu retrato
que jaz colado
na negritude
do asfalto
Fora!
Exata medida
maria da graça almeida
A taça trincou.
Descaso de ambos.
Não nos preocupamos com a dosagem.
Descuidamos da quantidade,
ora nos entregamos ao excesso,
ora nos demos à escassez.
A taça partiu-se. O amor, liquefeito,
manchou o relevo das almas,
maculou a trama da união.
Agora, quase como diz o ditado,
não adianta lamentar o líquido derramado.
Amor, distraído, põe-se fora;
em demasia vaza, entorna;
ao relento, evapora.
O amor para toda a vida
é o amor da entrega e da partilha,
sempre na exata medida.

Decreto de liberdade e amor
maria da graça almeida
A livrá-lo do constrangimento, pesar e da imposição, meu amor, por ser imenso, vem deixá-lo à vontade para que encaminhe seus passos, de acordo com a própria opção.
Em face do seu silêncio e da minha solidão, meu amor, por ser imenso, aceita as sobras advindas de um envolvimento que talvez sobreviva por força da minha intenção.
Meu amor, por ser imenso, poderá manter-se recluso para que não julgue intruso o tom de minhas notas digitais
e ora o deixa liberto para que se indigne diante deste tolo decreto que de vez expõe a pieguice dos meus ais.
Meu amor, por ser imenso, entende o quão difícil é desempenhar certos papéis, por isto não finja pressentir cheia quando baixa estiver sua maré.
Meu amor, por ser imenso, mudo de lamentos,
vibrará com a autenticidade de sua fé.
Ainda que para seu conforto, não mais proclame
este amor imenso, sólido, insólito, intenso,
a chama viva que me habita jamais se extinguirá.
Ah! este meu amor sem bom senso, desmedido,
indefenso... eternamente me acompanhará.

Jeito de sentir
maria da graça almeida
A poesia está no ar,
no mar, em qualquer lugar.
É etérea, abstrata,
não se apanha, não se apalpa.
O poema é concreto,
sai do peito, desce às mãos,
transformando-se em objeto
de valor, de estimação.
A poesia é permanente,
o poema, um repente...
O poema a gente escreve,
a poesia a gente sente.
A poesia é feito espírito,
o poema mero corpo,
a poesia é um ser vivo,
o poema papel morto.
A poesia é doce, calma,
o poema uma criança.
A poesia está na alma,
o poema na lembrança.