21 de outubro de 2013

  • A primeira calça Lee
    maria da graça almeida

    Era feito um delírio... o sonho da "calça própria."
    Não me sentia contente dentro de simples "rancheira",
    com o coração palpitando por uma Lee verdadeira.
    Porém tinha confiança no poder da intenção,
    na força da esperança, na realização!
    Quando de fato queria, queria até sem razão
    e mais dias, menos dias, o que fosse, tinha às mãos...

    E a Lee chegou de repente, embrulhada para presente.
    Feliz, rasguei o papel e ela saltou duramente.
    Dura, literalmente, era essa sua textura.
    Mais de duas lavagens e seguia rija, segura.

    -Bote-a em água pura - disse-me certa criatura-
    a goma deixará o tecido, o cós, também as costuras!
    Com pouca experiência e sem convicção,
    fiz como orientada. Eu não tinha compreensão
    e nem detinha ciência sobre calças importadas.

    No balde ela permanecia e eu, longe da alegria,
    debalde aguardava a vez dos sinais da maciez,
    no entanto só sentia um sutil desbotamento
    e a mesma rigidez, vindo de fora pra dentro.
    Desejava-me moderna, porém o desalmado jeans,
    de uma aspereza sem fim, nas tardes, sem boa frescura,
    lanhava-me as pernas, o bumbum e a cintura.

    Até que um belo dia, finalmente se entregou.
    A água domou a corporatura da roupa teimosa e dura.
    E a minha figura largou-se ao abraço quente
    de uma veste importada, linda, justa e envolvente.
    Dela, ainda trago o couro Lee guardado,
    junto das boas lembranças da jovem que fui um dia,
    feito fotografia da calça com a qual, orgulhosa,
    constantemente eu me exibia...

7 de julho de 2013

AMAR - Maria da Graça Almeida


Amar
maria da graça almeida

Amar é o arrepio que se sente no verão; 
é levitar sem tirar os pés do chão;
é tentar dormir para outra vez sonhar
um sonho do qual não se quer mais despertar.

Amar é carregar um fardo de emoção,
é gelar as mãos no afã da pulsação;
é crer anil um céu dormente e desbotado 
e ter o dia feito domingo ou feriado.

É o reflorescer seja em qualquer idade
e entre a razão e o coração pressentir 
que a paixão não tem prazo de validade.

É manter no amado o primeiro namorado
e encantar-se com seu jeito de sorrir,
mesmo que com ele já esteja acostumado.

2 de julho de 2013

Natureza Humana


Natureza Humana

Sorriso enluarado, 
longos braços de mar,
olhos de chuva leve, 
mãos de doce ventar, 
riso de queda d´água, seios, 
vastas colinas, 
cabelo, anel de nuvens pernas, 
árvores finas. 
(Maria da Graça Almeida)

22 de junho de 2013

Amo-te

Amo-te
maria da graça almeida

Antes de ti eu ignorava o sabor do amor
antes de ti não tinha motivos para conhecê-lo,
até que surgiste, não percebia a bonança exterior
tampouco o frescor amigo da brisa interior.

Despertaste em mim um sentimento
que enobrece a alma e acalma as inquietudes;
que me fortalece as virtudes e me embala
sob a melodia do aconchego e da ternura humana.

Incitas-me a usufruir a maneira de viver
como desde a tenra infância desejei;
deste -me o direito de optar pelas próprias trilhas,
tiraste a sombra da melancolia
que velava meu coração ansioso.

A calmaria que experimento no fundo do peito
devo-a a ti, porém sei que igualmente a devo a mim
quando permiti que a magia do teu amor
me envolvesse plenamente;
quando pressenti a resplandecência de tua aura;
quando me dispus a desfrutar de tua interioridade.

Amando-te, fiz por amar-me também
ao amar o sentimento de amor que habita em mim
e que ora, eterno, alimento por ti.
Amo-te. 

28 de abril de 2013

13 de abril de 2013

Brasília



Brasília
maria da graça almeida
 
Cidade que lembra uma praia sem mar,
ou nave inerte bem rente ao chão...
Pesada é a asa que faz por alar
 o corpo insensato da corrupção
Ao tentar a busca por certo alento
que a alma saudável ou enferma, recruta,
mesmo envolvido ou com nada atento
pressinto até, plena em constrangimento,
passado  o tempo de colher boa fruta.
 
Murmúrios, cochichos, sibilos, conchavos,
segredos, conluios e a aviltação,
ofuscam, seguros, a luz e o brilho 
da crença que um dia amparou a nação.
Espero que ainda, das torpes doutrinas
vejamos Brasília trocar as cortinas,
pois ora se sabe que a roxa ganância
seja ela anciã ou ainda menina
 contrapõe-se ao tom do verde-esperança.
 
Ao nos relembrarmos da bela cidade
reportamo-nos, todos, a todo o país
que agora revela ter a identidade 
descritas por manchas de rubro matiz...
E a nave que só aprendeu a voar 
nos doces delírios presidenciais
enleou-se em tramas de agudas barreiras
e mostra que até para os feitos cabais
 a forte ambição delimita as fronteiras.
 

31 de janeiro de 2013


 

 Verbo ser

maria da graça almeida

A vida que nascia escondida,  sob o  gerânio e as  cravinas,

não era  feito a que se via  no alto das árvores ressequidas.

 O ser que no baixo se  avistava

 desconheceria a inebriante vertigem da altura.

 Era uma nova vida que apesar da beleza do leito natal, 

 cama reflorida, explodia em vitalidade rastejante, 

gosmenta e asquerosa.

 O mesmo não se diria do outro vivente 

que entre palhas, capim e galhos secos

-tosca e rude ambientação -

mais  tarde experimentaria, nos céus,  

as delícias dos largos e audaciosos vôos.

 

 Era a surpresa dos desabrochares;

 era o conflito da beleza plena com a repugnância total;

um embate de quem olhava apenas o ali, o agora,

com  quem  vislumbraria o adiante, o depois.

 Era o soluço de quem nada seria,

respondendo ao sorriso de quem tudo teria.

 

 E nesse fim de tarde atoleimado,

 quando o nada a fazer dispôs-me às observações inúteis,

  minhas divagações levaram-me a perceber 

que a tempestade e a bonança de uns e outros

já  foram retratadas por pares e pares

de olhos curiosos e, sobretudo, desavisados,

   não cientes de que as fotografias não são eternas, 

 mas, enquanto forem visíveis, serão imutáveis.

O que é independe da nossa força, vontade e fé.

O que é será sempre como sempre foi.

 O que é sempre será.