31 de julho de 2011

Reversão

Reversão
Maria da Graça Almeida

Para muitos o envelhecimento é sinônimo de sofrimento, principalmente para as mulheres, mais ainda para as vaidosas.
Ainda que se surpreendam, digo que o incômodo que nos traz a metamorfose imposta pelo tempo é passível de conserto.
Não a metamorfose, propriamente, mas sua aceitação.
Não acreditam? Posso esclarecer.
Se não podemos lutar contra a ancianidade, por que não nos aliarmos a elas?
Parece complicado? Não é!
Parece impossível? Também não.
Então como isso se daria? Facilmente!
Em vez de temê-la, que a esperemos com ansiedade. Que revertamos os valores e os padrões de beleza
e transformaremos os danos da velhice em bens preciosos.
Imaginem que felicidade se assumíssemos a postura de enxergar o declínio da juventude como um fator de exuberância e esplendor.
Imaginem que estimulantes as conversa e as observações fluindo desta maneira:
Ester engordou, está cheia de pneus, uma maravilha, vou pedir-lhe o endereço do médico que a está tratando.
Marina adquiriu as desejadas celulites, foram tantos tratamentos, mas agora conseguiu obtê-las. Anda feliz da vida!
Não vejo a hora de ficar com os peitos iguais da Amelinha. Quase alcançam o umbigo! Uma perfeição.
Ivete já voltou da Europa. Fez plástica por lá, com um ótimo cirurgião. Está com o rosto plissadinho! Maravilhosa, quase não a reconheci.
Magnólia, enfim, conseguiu ter o couro cabeludo à mostra! Anda radiante. Só não conta o segredo do que passou nos cabelos para caírem tão rapidamente.
Ingrid até que enfim pode usar regatas, seus braços exibem uma flacidez invejável.
As orelhas da Maria Alice, magníficas, cresceram tanto que ela nem mais precisa usar brincos. Eram tão acanhadinhas, as coitadas!
Clementina, logo mais, fará plástica no nariz, Disse-me que ele está ainda muito pequeno
e, irritantemente, arrebitado. Quer aumentá-lo e envergá-lo o máximo possível.
Os cotovelos da Melina estão pregueadinhos, não sei como os conseguiu tão graciosos!
E as mãos de Maitê! Nossa, não tem pra ninguém, nunca vi outras feito as delas, já estão
lindamente vincadas, logo mais estarão plenamente amassadas.
Da Idalina, o pescoço e o colo, juro, perfeitos, impecáveis! Não mais mostram aquela pele lisa, esticada, horrorosa.
Que sorte deste pessoal! Envelheceu precocemente. Um dia ainda chegarei lá!

E então? Não é uma ótima saída?
Bem, e isso é tudo, ou quase...

Senhores e senhoras formadores de opinião, abracem esta causa, afinal , um dia também sofrerão com desmandos
do tempo e com a força da mão da gravidade.
Que os valorizemos com fervor.

Obs.: Tomei o cuidado de não colocar nome de ninguém da minha família,
nem das minhas amigas, senão...ai, ai, ai....

26 de julho de 2011

Opostos

maria da graça almeida



Do solicitante,

o tempo é ansioso.

Do solicitado, moroso .



Os tempos diferem,

as metas são desiguais.

Os caminhos, opostos.

Um segue a trilha da aflição,

o outro, o rumo do enfado .


Do solicitante, a ansiedade

usa os andrajos da humilhação,

as vestes rotas da humildade.


Do solicitado, a disponibilidade

exibe a coroa do descaso

e o cetro da superioridade
Carência

maria da graça almeida



Secura de mim.

Vazo de um vaso trincado,

sem a querença, sem a crença

e a certeza do amanhã.

Vida que vadia resfolega

sob o relógio que se arrasta

entre a solidão matinal

e a noite fria...ermitã.

24 de julho de 2011

Quelelê- O jurássico Vós

Quelelê
maria da graça almeida

Ai, Senhora das boas línguas,
rogai por eles, os fuxiqueiros,
não permitais que o mundo inteiro,
de petas, calúnias e injúrias,
transforme-se em vasto celeiro.

Ai, donas das línguas felinas
não deixeis que vossas bocas ferinas
levantem falsos testemunhos,
assinando de próprio punho
a maledicência feminina.

Ai, mulheres da língua limosa,
calai os lábios infecundos.
Que apenas as falas zelosas
traduzam o âmago do homem
e cuidem da alma do mundo.

20 de julho de 2011

João,

eis que me ponho descontraída,
sentada à mesa, com a marca Brahma,
em grandes letras, cotovelos apoiados, displicente,
esquecida da etiqueta, ouvindo sem ser ouvida,
vendo sem ser vista, da timidez distraída,
embriagada da presença de meus ídolos,
quando neles descubro uns mitos tão homens
e uns homens mais mitos.
Quantas vezes desejei, tal qual sorrateira mosca,
pousar, não na sopa do Raul, mas nos mais inusitados
e inacessíveis lugares, onde, invisível ao espetáculo,
ainda que cotidiano, repousasse por prazer, gosto e vontade,
sem proibição,reserva ou punição.
E, hoje, sem metamorfose, nem deslocamento físico,
finalmente, aterrissei! Você conseguiu o milagre!
Lendo Toquinho, conheci mais Vinícius,
ficamos amigos, lendo Vinícius,
descobri mais Toquinho e mais Toquinhos,
somos parceiros, ainda que nem saibam
ou, desconfiem!
Participar de tão milionários mundos interiores,
sem a preocupação de ser inconveniente,
sem o temor de importunar, preservando-lhes a privacidade
e o direito de comumente viver,
traz-me a confortável sensação do respeito pelo espaço alheio
e a peculiar serenidade do bom senso.
E você, heim, João! Como diz bem!
Que saborosa fluência! Quão envolvente é sua palavra!
Em proseando, poeticamente desvenda intensos mistérios,
com os quais ludibriamos o tempo, desprezamos as distâncias
e, vibrantes,arremetemo-nos de corpo,cabeça e sentimento
a momentos e lugares singulares e especiais.
Obrigada, João Pecci, por despi-los de uma forma
surpreendentemente clara e bela e sublime.


Um grande abraço, cheio de admiração!
Jamais emudeça. Continue dizendo...
sempre...

Maria da Graça Almeida
Atraso

Maria da Graça Almeida

Conheci minha mãe,
então, mãe de cinco filhos!
Conheci-a já cheinha
de corpo e preocupação.
Não sei se fui bem-vinda,
às vezes penso que não!
Já lhe pesava a idade
e uma barriga a mais,
numa idade avançada,
ainda pesa tão mais!
E assim mesmo apareci,
mesmo sem ser convidada,
mesmo sem prévio aviso,
mesmo sem hora marcada!
- Ô mãe, desculpe
minha visita inesperada!
Quando já queria repousar,
desnudando a idade;
quando, calada, retratava
só a doce santidade;
quando a pálida boca
não mais tinha vaidades,
chego eu distraída, atrevida,
toda em bronquite,
e outros itens em ite,
que a obrigaram
na madrugadas sombrias,
nas noites quentes ou frias,
a caminhar pela casa comigo
no colo envelhecido,
colo que mais merecia,
num bom leito, relaxar;
colo com missão cumprida,
de vida, enfim, resolvida
prontinho pra descansar...
- Ô mãe, quantos anos eu lhe devo?
Imagino... mas ainda assim me atrevo,
nestes versos, a indagar!
Ô mãe, de anos e anos já muitos,
de tempos de alto custo,
quase a mato de amor,
depois de matá-la de susto!

Maria da Graça Almeida

7 de julho de 2011

Nada com nada

Nada com nada

maria da graça almeida


Trovas

O amor que cedo arrefece
da rotina é refém,
o nariz que muito cresce
mede mentiras de alguém.

O petiz que empina a pipa
nasceu de cara pintada,
sobre um berço de ripa,
dentro da casa caiada.

A vida de todos nós
tem contornos e debruns,
desde a barra até o cós
a costura é incomum.

A reza é a prece silente,
de quem nasceu para o bem.
A lima com mais sementes,
mais doce o caldo contém.

O vento que venta forte
traz a poeira do além,
se um dia saudar-lhe a morte,
convide-a a morrer também.

A tarde chega brilhante,
ofusca os olhos de quem
ao dia é rico gigante,
à noite, anão sem vintém.

5 de julho de 2011

Do livro Olhos Espertos de maria da graça almeida



Peixe
maria da graça almeida

O peixinho prateado
no aquário sempre vejo!
Bem me fita, o assanhado,
só querendo me dar beijos.

Sua boca um “oi” miúdo
vai dizendo e isso é bom,
só o peixe, neste mundo,
fala “oi”, sem soltar som.

Seleção de poemas infantis

Serafina
maria da graça almeida

Serafina, Serafina...
sempre a vejo na janela!
Será grossa ou será fina,
sua canela, ó menina?

Serafina, Serafina,
eu ainda hei de vê-la
corpo inteiro, na esquina,
sob as luzes das estrelas.

Seu sorriso é agigantado,
os olhinhos são brilhantes,
o nariz, tão empinado,
o pescoço, elegante!

Minha doce, Serafina...
o rostinho já conheço,
e sua perna, ó menina,
será grossa ou será fina?
DO livro Olhos Espertos, poemas para criança

Homens de uma só mulher

Homens de uma só mulher
maria da graça almeida

As vantagens de ser homem de uma só mulher
são muitas. Poderíamos enumerar várias delas,
porém vivemos o tempo da concisão e da brevidade.
Os homens de uma só mulher não sofrem de
ansiedade, são felizes, serenos, realizados.
Bons maridos e pais, ótimos avôs, amigos sinceros
e colegas amáveis, desconhecem a dor das surpresas
desagradáveis, não atropelam o tempo,
são inteiros, indivisíveis. Andam alinhados com
o conformismo, não o conformismo que tolhe
a evolução e sim o que conforta e proporciona a paz.
Seguros , proporcionam segurança.
São dotados de extrema tolerância, não a tolerância dos tolos,
mas a dos pacificadores. Valorizam a amizade, a cumplicidade,
a solidariedade.

Não são volúveis, nem indecisos, têm a determinação
como característica de personalidade.
Enfim, os homens de uma só mulher são homens
especiais! E raros, posto que estão em extinção.
Em contrapartida... há um custo que lhes onera
a vaidade.
Com dissabor, constatam no envelhecimento
da companheira o enredo do próprio envelhecimento.

Agora, pasmem: os homens de uma só mulher,
são sobretudo homens de mulheres sós.
O cotidiano implacável faz com que não
enxerguem a mulher especial, forte, corajosa
que têm ao lado, ainda que elas passem a vida
proporcionando-lhes a condição e o conforto
de serem homens de uma só mulher.

Do lIvro Olhos espertos de maria da graça almeida




Assovio de garoto
maria da graça almeida

Chega leve aos meus ouvidos
um ventinho musical!
Feito o som dos passarinhos,
outro, nunca ouvi igual!

Sopro de vento desperto,
doce brisa natural.
Vento que venta bem perto
não resfria, não faz mal.

Que a tristeza não espante
o ventinho tão maroto
que o vento sempre cante
no biquinho do garoto!