31 de julho de 2010

Revelação



Revelação
maria da graça almeida


Se desta vida fores primeiro,
nada haverei de fazer.
Emudecida , seguirei teu féretro
e em teu ataúde colocarei a mais bela flor,
que um dia por aqui inda irá aparecer.

Duas gotas cairão e eu nem as disfarçarei.
Não mais precisarei esconder
os males que em vida de ti recebi .
Não porque tu quiseste,
mas porque eu consenti.

Porém, se eu partir primeiro,
ah, aí sim bem saberás o quanto te amei
e os mares que por ti deitei.

Saberás das noites insones
em que louca perambulei,
provando com dor
migalhas do amor.

Verás o tamanho da adaga
que me feriu o coração,
ao saber-te em súbita
e definitiva união.

Tocarás meu vestido amarelo
e nele verás as marcas da tua partida,
nas nódoas doloridas, das lágrimas caídas.

Somarás o tempo em que me mantive
contigo comprometida,
sem que te tivesse nem mesmo em retrato,
sem que meu coração ao menos me alertasse,
para o engano dos meus atos,
tampouco para meus desavisados passos.

Após a minha despedida,
ouvirás esta cantiga,
na voz da mesma amiga,
que sem nunca me negar favores
acompanhou-me pela trilha das dores.

Sei que ela atenderá o derradeiro pedido,
posto que inúmeras vezes
amparou o meu amor desiludido.

Ouvindo-a , enfim, meu rapaz,
não chores, jamais,
mantém secos os olhos
e engole cada uma das lágrimas,
com o pão do desamor
que tua insensibilidade amassou,
pois as mágoas, em gotas convertidas;
os choros desta insana lida;
as aflições liquefeitas já chorei eu,
desperdiçando muito tempo da vida
que um dia Deus me concedeu.

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5 de julho de 2010

Cabides humanos



Cabides humanos
maria da graça almeida

A ditadura da moda
-com o troféu da abstinência,
no pódio da desnutrição-
cerceou a naturalidade
das meninas que nas praças
comiam pipoca,
tomavam sorvete.

Montanhas de ossos
cruzam as passarelas.
Ao invés do glamour,
tão-só a anorexia
que amordaça
a liberdade de viver
sob os próprios moldes
da melhor idade.

Os olhos fixos no nada
amparam-se na maquilagem
que lhes camufla as olheiras.
Sobre pernas descarnadas,
num cruel exercício,
a juventude macilenta
e esquelética bamboleia.

Poeta do silêncio



Poeta do silêncio
maria da graça almeida

Sou poeta do silêncio,
da tortura, do tormento,
das ciladas, das caladas,
da mudez e do lamento.
Sou poeta vagabundo,
da mentira poeirenta,
que sorveu a gota insossa
de uma língua sonolenta.

Sou poeta -dos sem lida,
dos sem glória, dos sem nada-
que emprestou sua ternura
a uma lua mascarada.
Sou poeta da procura
e das letras apagadas
e no céu quando estiver,
declamarei do eu poeta
com a voz do eu mulher,
pois a minha fala esperta,
sem medida, imodesta,
dirá só o que Deus quiser.

1 de julho de 2010

Remorso/Arrependimento


Remorso/Arrependimento
maria da graça almeida

Nos dicionários,
em tempo,
logo se fica
sabendo
que remorso e
arrependimento
são vocábulos
sinônimos.

Em minha
opinião,
os sentidos
das palavras,
não são assim
tão simples
não!

Ao meu ver,
o remorso tem-se
pelo que se faz
e o arrependimento
pelo que
se deixa
de fazer.

Remorso
é o grande aperto
que espreme
nosso peito,
e nos treme
o coração,
se, em prejuízo
de alguém,
algum dia
nos valermos
de contundente
ação.

Arrependimento
é o sentimento
gerado por uma
contra ação,
ou seja,
por decisão
relegada,
com descaso,
ou insensatez
ou tão só
por opção.