5 de novembro de 2012

Meio- dia


Quando escrevi este poema, em pensamento, 
eu estava no largo da Igreja de Pindorama.
 

Meio-dia
maria da graça almeida


Tudo ocorre ao meio-dia.
O dia chega ao meio,
o sol, de luz, é bem cheio;
o trem que vem e apita;
estômago oco se agita;
o guri pega a bola,
a mochila vai à escola.
Tudo ocorre ao meio-dia.
Na igreja insiste o s
o céu, no azul, é menino;
na praça clara, deserta,
o tédio do homem, desperta;
um cão se encolhe na rua,
o sol não vislumbra a lua.
Tudo ocorre ao meio-dia.
Dias nos tons da tristeza,
dias nos sóis da alegria .
Dias de pão sobre a mesa,
dias do adeus à fartura.
Pare um dia e repare
o dia ao meio-dia,
num sol tão forte que arde,
tão longe está da manhã,
quão longe, do fim da tarde.
O dia é muito mais dia,
sem atraso, sem desconto,
quando já é meio-dia,
um dia ao meio em ponto.
 
Maria da Graça Almeida.                                     

4 de agosto de 2012

Chuva doce

maria da graça almeida

Quero que a chuva
chova: plim... plim...
gomas e balas
de amendoim.
A boca e as mãos
porei bem abertas
pra chuva esperta
pingar sobre mim!

Se a chuva descer,
feitinha, assim,
de gomas e balas
de amendoim,
será que a mamãe
dirá pra chover
escovas-de-dente
em cima de mim?

10 de abril de 2012

Confusão

Confusão
maria da graça almeida

 Ainda que tenham significados diversos, há quem, comumente, confunda: prepotência com liderança; arrogância com competência; persistência com teimosia; delicadeza com submissão; empreendedorismo com ganância; gentileza com fraqueza; precaução com medo; impetuosidade com coragem; comedimento com avareza; desperdício com generosidade; bondade com tolice; timidez com orgulho; extroversão com exibicionismo; carinho com compaixão; inveja com admiração; ódio com ciúme; permissividade com amor; insegurança com perfeccionismo; modéstia com incapacidade; limites com desamor; gula com fome; agressividade com autoridade. Há posturas que dificultam o discernimento até das pessoas ditas perspicazes e observadoras. Para diagnosticar tais características com melhor precisão não há de se olhar com os olhos da visão e sim com os da percepção.

8 de fevereiro de 2012

Aprender 

 maria da graça almeida
 
Anseio aprender coisas significantes, mas quero, primeiramente, descobrir o porquê de alguns acontecimentos, ainda que de irrelevantes aspectos.
Por que sempre me parece que: -o intervalo entre Segunda e Quinta é bem mais longo que o intervalo entre Terça e Sexta?
-a manhã voa e a tarde se arrasta? -o tempo passa mais velozmente depois que atingimos os quarenta anos?
-o último pedaço do biscoito sempre nos salta das mãos? - o final da casquinha do sorvete é o mais gostoso?
-muitas pessoas são reverenciadas só depois da morte?
-a ordem passa-nos despercebida e a desordem salta-nos aos olhos?
-há homens que, quando embriagados, tornam-se de uma generosidade infinita e prometem dar o que não têm?
-apenas nos sabemos felizes no tempo que já passou?
-a mulher de 40 é uma velha e o homem da mesma idade, um gato?
-no inverno não acreditamos que um dia usamos maiô e no verão, achamos absurdo um dia termos usado casacos de lã?
-o bom acaba logo e o ruim demora? -quando em viagem, a ida sempre é mais demorada que a volta, ainda que percorrendo o mesmo percurso? -os casais quando enquanto apaixonados não enxergam os defeitos do parceiro?
-os hábitos do companheiro tornam-se insuportáveis quando o amor decresce?
-acostumamo-nos à beleza das pessoas e dos objetos a tal ponto que chegará o dia em que
nos passará completamente despercebida?
-localizamos objetos cuidadosamente procurados apenas quando já desistimos de encontrá-los?
- a mulher esquece-se das dores do parto, assim que deseja ter outro filho?

1 de fevereiro de 2012

De quem falo?

De quem falo?
maria da graça almeida


Mesmo indiscreta, não me calo: entraram em férias!... Não, não, aposentaram-se ... Civilidade, Delicadeza, Cordialidade, Simpatia por onde andam hoje em dia? Talvez consideraram-se um desserviço, talvez optaram pelo sumiço, talvez entediadas se mudaram, talvez morreram por falta de exercício, talvez se encontram em estado vegetativo num arcaico livro de etiqueta, talvez exterminadas das velhas receitas de convivência social, talvez encarceradas num antigo diário de registro pessoal, talvez relegados à poeira de um sótão abandonado, ou na escuridão de um porão judiado ... Mesmo indiscreta, não me calo: entraram em férias! Não, não, aposentaram-se...

maria da graça almeida

29 de janeiro de 2012

A sociedade só cuida bem dos que, pela origem, já foram bem cuidados. Aqueles que por parte do sistema financeiro, do núcleo familiar e do grupo de amizade não receberam a merecida atenção, pela coletividade, serão desqualificados. 

 maria da graça almeida

20 de janeiro de 2012

Boca esperta


Boca esperta
maria da graça almeida

Fala, fala, fala,
maquininha de palavras,
fala, fala, fala,
a boquinha não se cala.
Ri-se, ri-se, ri-se,
ri, sorri por quase nada,
ri-se, ri-se, ri-se,
sem motivo, a risada.
Chora, chora, chora,
soluçando, escancarada,
chora, chora, chora,
de uma forma exagerada.
Fala, ri e chora,
dia todo, toda hora,
fala, ri e chora...
sempre pronta,
sem demora.
A boquinha abusada
da alternância é senhora.

4 de janeiro de 2012

De repente,


De repente
 maria da graça almeida



De repente,
insiro-me no desleixo visual
ou na improdutividade da apatia,
deixo o espelho falando sozinho
ou o tempo correndo na inércia
de um relógio franzino.

De repente,
os valores viram pó,
a vontade ata-se em nós,
os desejos quedam-se aniquilados
e as expectativas jazem
num papel amarfanhado.

De repente,
o terço, a bíblia e a fé
tornam-se ateus,
o espaço, a minha volta, cresce
e eu decresço, neste mundo,
pigmeu...

De repente,
na impossibilidade dos passos,
prendo- me em famigerados laços,
e a letargia
sufoca-me, dia a dia.

De repente,
o sim endurece,
o não recrudesce
e o talvez fita-me
com olhar indiferente.

De repente,
o nada torna-se infinito,
o tudo se faz restrito
e, para sempre, a paz
transmuda -se
em conflito.