15 de janeiro de 2011

Cordilheira

Cordilheira
Escrito por maria da graça almeida
Qua, 20 de Agosto de 2008 05:45
No Chile há muitos poetas. Não conseguia, eu, compreender o motivo de tal concentração, até quando, num hotel de Santiago, onde a janela abria-se despudoradamente para a magnitude das Cordilheiras, entendi! Envolvida por certa magia e estranha fantasia, consegui descobrir no perene espetáculo a abundância da fonte de onde flui a inspiração do chileno. Aí não tive saída, vigiando minha respiração, que já pressentia ofegante, larguei-me a escrever, olhando pela janela como se mirasse um quadro revelador das fronteiras do alumbramento e do limiar da alucinação.
Maria da Graça Almeida

Cordilheira
Maria da Graça Almeida

"Pós sinto" as pegadas dos deuses latinos,
pousando os pés divinos
sobre terras elevadas,
virgens meninas despenteadas.
Se uns o fizeram sutilmente,
outros calcaram de forma tal o chão,
que o viram, entre um passo e outro,
subir em altos picos, em duros bicos.

Meus olhos vagam pelo espaço alongado, recortado, sinuoso...
Galgam íngremes montanhas e, vertiginosamente,
despencam em quedas livres e fatais.
Depois, dão-se a escorregar e deslizar em pisos lisos,ou a rastejar, arranhando-se na aspereza da textura visual.

Quando, dos anjos meninos, o sopro cálido
derreter o frio espesso e alvo que se moverá,
graciosamente, sobre a austeridade do marrom,
meu ser todo frágil, tolo e perplexo,
suspirará ante o imensurável espetáculo
do perpétuo bolo achocolatado,
coberto por um branco e absurdo glacê,
que lindamente escorrerá desenhos
abstratos e fantásticos, jamais
consumidos por simples mortais.

Às vezes os Deuses sabem ser cruéis!
Muitos deles zombam da impotência dos homens.
Outros lhes testam o tamanho do conformismo.
Nem tudo o que fartamente lhes expõem aos olhos,
facilmente lhes dispõem às mãos.

12 de janeiro de 2011

O vento

O vento
maria da graça almeida

O vento chega-me à porta,
rodopia, vai e volta.
Entra sem ser convidado,
vem sozinho, sem escolta.
Desalinha-me os cabelos,
embaralha meus papéis,
sopra sobre os travesseiros
leva ao chão os meus anéis
Incomoda meu descanso,
assobia sem balanço.
E eu lhe peço nessa hora:
- Não quer ir ventar lá fora?
E o vento assanhado
diz sorrindo, bem a gosto:
- Pra sair sou obrigado
a ventar sobre seu rosto.

maria da graça almeida

Cenário bucólico

Cenário bucólico
maria da graça almeida

Doce de leite, abóbora e coco,
beijo roubado da boca do moço,
rede estirada ao sol de relance,
livro da vida esquecido na estante.

Vento ventando cantigas de amor,
crista do galo empanada na cor,
lenha a estalar no tosco fogão,
cheiro gostoso de sopa e feijão.

Bicho que pica, coceira que vem,
tarde chegando no apito do trem...
Sapo coaxa sem graça, arredio,
garça se mira nas águas do rio.

Égua que trota levanta a poeira,
homem, voltando, traz pó na canseira.
Dona a acenar na porta da casa,
ave se assusta e apressa as asas.

Filho que chora, chupeta no chão,
pão ressequido na palma da mão.
Riscos no céu, a paisagem se turva,
luz que se apaga é indício de chuva.

Cruz na janela, uma vela acesa,
prato trincado faz mais pobre a mesa.
A sopa e o feijão da pouca tigela,
não chegam à gata, não há para ela!

Sono batendo, um sopro à chama,
corpo cansado impõe peso à cama.
Sonho do homem inda é colorido,
mesmo com fome, outro filho é bem-vindo.

Maria da Graça Almeida
Da antologia da Confraria dos Poetas
Poesia com manteiga
maria da graça almeida

Prometeu-me ambrosias,
Literata, a cozinheira,
pelo gosto da estréia,
cheguei presta e faceira.

Só vi versos com geléia
e poesia com manteiga,
certas rimas lambuzadas,
emborcadas sobre a teiga.
Pus-me tonta e enjoada
da poesia e da manteiga.

No almoço, em contraponto,
terei letras de grandeza.
Um gostoso miniconto
será minha sobremesa.
Torço pra que Literata
desta vez não erre a mão
ou provarei pela errata
o sabor da indigestão.