28 de março de 2008

Sopro
maria da graça almeida

Há mais pessoas que sopram a chama para apagá-la,
do que as que o fazem para reavivá-la.

19 de março de 2008





Dentro de mim

maria da graça almeida

Dentro de mim
há um duende sem vida,
morreu de medo de morrer;
há um mofo iminente
na parede umedecida
pelo suor da solidão;
há a inquietude gelada
que flagrou o espectro sonolento
das mais frias madrugadas.

Dentro de mim
há a mágoa advinda
da perplexidade
diante da dormência
dos deuses e dos mitos.
Dentro de mim há um rito
de rebelião com causa,
mas, sem efeito ou direito
à perenidade humana.

Dentro de mim há um rio
que dia a dia resseca suas águas,
pois não suporta seguir
sem deixar rastros ou pegadas,
nem tolera ser limítrofe
das terras batidas
por onde a vida passa,
poeirenta e desprevenida.

Dentro de mim,
há o descaramento
que teima em ver -sem poder-
o fundo do poço,
o final da estrada
e o instrumento
que de vez distanciará
o denso, do sutil;
o corpo, da alma,
quando - insensato ou não-
irá submetê-los
à crueza da separação.



Entrelinhas

maria da graça almeida

Entregue-se ao solo do destino
e ao colo da poesia paraíso;
não fique à margem do caminho,
nem desbrave a terra do sozinho.

Molde o verso em redondilha,
com o cuidado de um santo,
pudores, recato e canto,
véus, capas e cantigas,
na mudez do doce segredo
de um recôndito desejo.

Faça do poema um verbo silente
e apenas o sustente,
provando-o com jeito,
posto que o pecado é um defeito
que todos os anjos têm medo.

Deixe-o renascer -num suave pranto,
sem testemunhas, com manto-
de um soluço de doçura,
que o sossegue da sua sede
de carinho e ternura.

Faça da palavra de candura
um tapete de suspiros,
onde cada amargura
adormeça sem gemidos,
e sem o insano perigo,
que impõe toda procura.

maria da graça almeida

18 de março de 2008


Sabe lá...
maria da graça almeida

Da morena esguia, o suspiro vasto; da ruiva robusta, o sopro exausto...
Vários ritmos, múltiplos passos, diversos pesos, o mesmo cansaço.
Impresso nos caminhantes, o tempo! Ora trôpego, mas a carregar uma aura de sabedoria e experiência; ora cambaleante -na indecisão dos primeiros passos-, isento de pegadas, de rastro; ora lépido, atrás das emoções,
dos sonhos próximos ou distantes, com crença, garra e força incomuns.
Sentada no banco úmido do parque, fitava-os espantada, nunca antes me rendera diante das surpresas, da magia e dos mistérios da vida, tampouco das evidências. Só viver é o que vale a pena -sempre foi este o meu lema-, porém percebi que a vida além de atraente, às vezes, sabe bem ser contundente.
Por isto hoje digo: viver vale a pena; morrer também!
Enquanto me conformava com tal descoberta, consolava minha filha que experimentava o mergulho inaugural na mais profunda depressão, e, sem saída, tanto quanto ela debilitada, ou inda mais, inventei, enfim, de ser forte...
Ofereci-lhe o que não tinha: otimismo, firmeza, coragem.
Como? Não sei...
Baixinho, arrisquei Djavan: “ sabe lá, não ter e ter que ter pra dar, sabe lá..."