28 de outubro de 2011

Vegetação espontânea


Vegetação Espontânea

maria da graça almeida

Invejo a independência
da vegetação espontânea,
que escolhe nascer
onde melhor lhe aprouver.
Não é, milimetricamente, planejada,
nem, exaustivamente, controlada.
Vive por viver, sem cobranças,
como e quanto quiser.
Habita jardins naturais
sem canteiros convencionais,
tem o céu por regador
e o sol por cobertor... ou não.
Larga-se livre e solta,
sem estacas, sem escoras,
deita as folhas ao chão
ou alto vai, céu afora...
Cava o próprio alimento
sem mistura ou complemento,
floresce sem norma ou padrão
e se espalha, lindamente,
sem limite, sem patrão...

Maria da Graça Almeida
da antologia confraria dos poetas

À espera







Do livro Espelho
de maria da graça almeida

À espera

Tua sensibilidade crítica
é que me traz e instiga,
a investigar teus escombros!

Quero no teu interior,
com euforia ou dor,
revelar os teus sonhos

Larga-te às minhas investidas,
são curiosidades antigas,
que me ligam a ti.

Deixa que eu te penetre
e jamais te apresses
em despir-te de mim.

Vou conferir-te a fundo,
saber-te profundo,
num chegar e partir.

E quando fores embora
ficarei aqui fora,
esperando por ti!

Sei que sempre tu voltas
e bates à porta,
que eu vou abrir.

Eu te recebo sorrindo,
achando tão lindo,
voltares pra mim.

27 de outubro de 2011




O Sapo
maria da graça almeida

O sapo coaxa
na beira do rio.
O sapo com fome,
coitado, não dorme...

O sapo é modesto,
mas quer um tesouro,
tesouro pra sapo
é um grande besouro.
O sapo é guloso,
e sempre quer mais.
Um outro besouro?
Assim é demais!
A gula não é fome,
ter gula é feio,
agora não dorme
de papo tão cheio!

26 de outubro de 2011

Decreto de liberdade e amor



Decreto de liberdade e amor
maria da graça almeida

A livrá-lo do constrangimento,
pesar e da imposição,
meu amor, por ser imenso,
vem deixá-lo à vontade
para que encaminhe seus passos,
de acordo com a própria opção.

Em face do seu silêncio
e da minha solidão,
meu amor, por ser imenso,
aceita as sobras advindas
de um envolvimento
que talvez sobreviva
por força da minha intenção.

Meu amor, por ser imenso,
poderá manter-se recluso
para que não julgue intruso
o tom de minhas notas digitais
e ora o deixa liberto
para que se indigne diante
deste tolo decreto
que de vez expõe
a pieguice dos meus ais.

Meu amor, por ser imenso,
entende o quão difícil
é desempenhar certos papéis,
por isto não finja pressentir cheia
quando baixa estiver sua maré.
Meu amor, por ser imenso,
mudo de lamentos,
vibrará com a autenticidade
de sua fé.

Ainda que para seu conforto,
não mais proclame
este amor imenso, sólido,
insólito, intenso,
a chama viva que me habita
jamais se extinguirá.
Ah! este meu amor
sem bom senso,
desmedido, indefenso...
eternamente me acompanhará.

17 de outubro de 2011

Salgueiro chorão




Os faróis dos trens, ao chegar à cidade, incidiam sobre o salgueiro chorão,
que prateado soluçava, num espetáculo inesquecível de farta inquietação...
Desde o tempo de menina almejava em meu jardim o chorão ou a casuarina
Lindo é seu porte, belas as suas hastes, recheadas de folhas longilíneas , que lânguidas, femininas voltam-se ao chão, porém, a superstição inibiu-me a intenção. Associei-o à tragédia de meus amigos, precocemente expulsos da vida - ainda que o chorão não tivesse tido nenhuma participação, a não ser pelo balouçante espectro, que, no quintal, depois da partida dos moços em questão, altivo, subia, em sinistra exibição.
Implantou-me sua figura à memória e sobre mim cristalizou-se feito símbolo de tal história. Fato que não me permitiu concretizar o antigo desejo, ora adormecido. Em face de tal associação não cedi aos impulsos do plantio,
e, hoje em dia, a redimir-me da extrema covardia, resolvi escrever um inócuo poema cujo espécime uso agora como tema.

Salgueiro chorão
Maria da Graça Almeida

Na ilha da terra sofrida,
no fim do mundo e da vida,
humilde, olhando o chão,
triste gemia o chorão.

- Por quem choras, ó chorão,
este choro sem consolo?
Cá estou, à tua mão,
ofertando-te apoio!

- Este choro é bem antigo,
sufocado, reprimido,
pois de face para o chão,
não vejo da lua o clarão!

- Alegra-te, bom amigo,
não desprezes o que digo,
na água que te rodeia,
tão mais perto refletida,
terás linda a lua cheia!

(Quando o olho então já cego,
às visões da alma me entrego.
Aos reveses desta vida,
soluções alternativas.)