27 de abril de 2010

Benedita 
maria da graça almeida

 Moça nova, a Benedita... 
 sorri com ares de santa.
 E as provações, tantas!
 Os óculos são cegos, 
 a muleta claudica,
 a bengala manca. 
 A artificialidade externa é falha.
 Melhor se inda contasse
 com a locomoção pelas próprias pernas;
 com a emoção pela própria visão.
   A crueldade interna atrapalha. 
 Moça nova, a Benedita... 
 À prova, não mais me fita,
 tampouco me acompanha.

Lavadeira
maria da graça almeida

- E a cinza da fornalha
entranhada na toalha?
- Da minha unha está embaixo,
ou desceu pelo riacho...
........................

Sob o balde, a rodilha,
esmagada, sobe a trilha.
Amarrada em velha colcha
mais pesada é a trouxa.

Ligeirinha, a toda hora,
molha, lava, torce e cora.
Braço fino, sem canseira,
vai lavando, a lavadeira.

Extremosa, em boas águas,
ensaboa, bate e enxagua.
Ao trabalho não se nega,
examina, afoga, esfrega.

Sobre a calça e a camisa,
a espuma economiza.
Quando roto o vestido,
lava o fio só de comprido.

Louva o vento, estica a lida
no varal pendura a vida.
A alvura da bandeira
credencia a lavadeira.
Confessional
maria da graça almeida

Mesmo com a lembrança inconveniente,
o esquecimento fatal, a falta de requinte,
o jeito natalino de enfeitar-se;
mesmo com os excessos, as omissões,
as doações e as mesquinharias,
mesmo com os palavrões
ou os prolongados silêncios,
sua presença é desejada.
Sinto falta das sonoras gargalhadas,
entristeço-me em face da distância,
de sua existência destrambelhada.

Dos que me conquistam,
suporto os defeitos...
Acostumo-me com os deslizes
e tenho-os apenas tais quais
pueris arroubos de uma autêntica
personalidade.
Quando gosto é assim.
Abro as comportas da emoção!
Aos amigos, tudo! Aos desafetos,
que são menos do que os dedos de u a mão,
apenas o que pode suportar a mágoa
que me descompassa
o coração.

(static.music.com.bd/)

Amar
maria da graça almeida

Amar é o arrepio que se sente no verão;
é levitar sem tirar os pés do chão;
é tentar dormir para outra vez sonhar
um sonho do qual não se quer mais despertar.

Amar é carregar um fardo de emoção,
é gelar as mãos no afã da pulsação;
é crer anil um céu dormente e desbotado
e ter o dia feito domingo ou feriado.

É o reflorescer seja em qualquer idade
e entre a razão e o coração pressentir
que a paixão não tem prazo de validade.

É manter no amado o primeiro namorado
e encantar-se com seu jeito de sorrir,
mesmo que com este já esteja acostumado.