28 de junho de 2010

Tempo


Tempo
maria da graça almeida

Abomino fotografias, documentos inquestionáveis
da devastação peculiar do calendário.

Certa jovem, do retrato, intrigada me espia.
Ora idosa, ao vivo, sob pele curtida,
derrama passado e nostalgia.
Fito rostos e corpos, comparo-os
e percebo que do ontem pouco restou.

Se por um lado o tempo traz a minoração das dores,
por outro, submete-nos à engenhosa metamorfose.
Estranha ação. Intenso poder!

Tempo, tempo -amigo e inimigo para sempre-
se ao menos nos emprestasse o melhor das horas,
se eternizasse os dias
ou se não nos tatuasse seus momentos,
por certo nos livraria
do cruel exercício do envelhecimento.

21 de junho de 2010

Escrevo


blogdocrato.blogspot.com

Escrevo
Maria da Graça Almeida


A escrita é o transbordar do excesso,
o derramamento do que já ultrapassou os limites.
É a forma de retratar o exagero dos sentimentos e a intensidade dos ritos.
Escrevo com a finalidade de resgatar o tempo e melhorar a relação com as letras que me desviam o pensamento da impotência do homem diante da finitude humana.
Escrevo como jeito de perscrutar a alma do leitor e nutrir-me das expectativas e dos sonhos de cada um, na tentativa de perpetuar mapas interiores e conservar pegadas que revelem as estradas onde piso.
Escrevo porque me apoio na impressão de que os homens sejam mais justos
e na convicção de que os justos sejam mais homens.
Escrevo para acreditar que ainda me habita a ilusão pueril de que o amor apresente-se somente como incondicional e eterna doação.
Quando pressentir que meus dizeres, já foram da mesma ou de outra forma ditos, desistirei de certas crenças e da mesmice da escrita.

17 de junho de 2010

Hipocrisia total


foto: psqemfoco-eventos.blogspot.com

Hipocrisia total
maria da graça almeida


Tempo do Natal:
generosidade assoberbada,
preocupação com os desfavorecidos,
súbita santidade,
humanos vestem-se de anjos.
Empunha-se a bandeira da solidariedade.
Nunca o homem foi tão bom!

Tempo da Copa:
sangue verde-amarelo,
juras de amor ao país,
reforços ao contorno do mapa
bandeiras nas sacadas,
nas janelas, nos carros.
Nunca o brasileiro foi tão patriota!

Findo o Natal, finalizada a Copa...
todos voltam ao normal
E o normal é a cara do dia a dia,
sem máscara, sem maquiagem:
descaso à situação do próximo,
desrespeito ao país e ao povo,
que, por sua vez,
desrespeita-se também.

Tempo e tempo:
tempos que não me convencem.
Tempos em que o calendário exala
euforia sazonal, hipocrisia total!

3 de junho de 2010

Borboleta


Borboleta
maria da graça almeida

Um rosto no espelho
mascarado dele mesmo...
É o tempo no vermelho,
falido, andando a esmo.
A mocidade esvaindo-se
sob olhares dispersos.
O viço subtraindo-se
diante dos alvos reflexos.

Que Deus nos auxilie
a enfrentar a realidade,
pois pior que a saudade
é a figura do passado,
que na sombra contrafeita
de um corpo alquebrado
teve a imagem imperfeita
e o semblante rasurado.

Bendita seja a lagarta
gosmento e grotesco ser,
porém fadado a ter
a imagem de uma floreta
que nas asas da beleza
faz voar a borboleta.

Um rosto no espelho
mascarado dele mesmo...
É o tempo no vermelho,
falido, andando a esmo.
A mocidade esvaindo-se
sob olhares perplexos.
O viço subtraindo-se
diante de novos complexos.

Baile de formatura


Baile de formatura
maria da graça almeida

No anel amarelo,
a pedra então falsa.
Franzido, singelo,
o vestido de alças...
Queria eu num elo
e em tempo da valsa,
o moço mais belo,
por força da graça.

E as moças donzelas,
as mais sensuais,
de rara beleza,
ao lado dos pais,
chamavam por ele,
pra ser o seu par,
o moço dourado,
o deus do lugar.

Meus ombros tremiam
e eu mais me agitava.
E ele gentil,
com todas dançava
e nem percebia
meu olho infantil,
colado ao seu...
Que céu sem anil,
que sina, meu Deus!

Findando a noite ,
a roupa amassada,
eu inconformada,
e a amiga me diz:
-É ele, está vindo!
Sorri! É feliz!
Chegando sozinho,
tão só por um triz
não erra o caminho!

Meu peito cansado
arfou exaurido,
então, apertado
e entristecido!

Enfim, ele chega
e falta-me o chão.
Sutil, a indagar,
segura-me as mãos:
- Disposta a dançar?

Acanhada e frágil,
não lhe respondi,
da amiga inábil,
resmungos ouvi.

O peito a pulsar,
senti-me sem ar,
descrente de mim,
não lhe disse sim.

Com a face sem cor
tentei me compor
e só fui capaz
de assim gaguejar:
- Agora, rapaz,
já nem quero mais.
- Que sorte fugaz!
- Diz isto, por quê?
- A mais linda valsa...
guardei pra você!