23 de abril de 2008


Passo
maria da graça almeida

Passo,
como passa a folha levada
pela insensatez do vento,
no jeito de ir sem sentir,
no modo de sair sem querer,
na forma de cair sem pedir.
Passo, como passa o pássaro,
que sem a anuência do divino,
põe um ponto clandestino
na palidez do horizonte.

Passo, como sem compasso
passam as gotas da chuva,
que por pressa ou, preguiça
descem sem escolher o caminho
e mesmo ao léu, sem destino,
invadem os poros da terra.
Passo e, díspares, imprimo veios
que caminham inconseqüentes
que se encontram em nascentes,
e se perdem em afluentes.

Passo, passo por passo,
com tropeços, com cansaço,
nas passadas dos percalços,
sem a dose do alento,
nos segundos do momento,
nas voltas, nos nós e laços,
nas idas e voltas do tempo.
Passo e, na dor do movimento,
piso um passo sem ungüento.
Passo...

11 de abril de 2008



O rio
maria da graça almeida

Rola o rio adormecido e mudo,
em cochicho miúdo, absurdo!
Desliza em cochilos alados,
num leito molhado e cansado.

Rola o rio em embalo trôpego,
com sibilos roucos e sôfregos.
Verte um choro machucado,
benevolente ou irado.

E rola descendo a serra,
em desgraça ou benefício,
ora mata a sede da Terra,
ora afoga-a em desperdícios.

Incauto, ignora o rio:
se a terra assim o quisesse,
dele faria um só fio,
antes que a cheia viesse.